As origens do “revisionismo histórico”
Ellwanger e sua editora são adeptos do Revisionismo Histórico, um movimento pretensamente acadêmico que se dedica a tentar provar que o Holocausto judeu durante a Segunda Guerra Mundial não passou de uma invenção. Alegam que Hitler e seus asseclas na verdade eram umas flores de bondade e que tudo o que se publica sobre o assunto é parte de uma grande conspiração midiática de dominação mundial por malvados judeus. As "descobertas" (perdoem-me pelo excesso de aspas, mas elas são inevitáveis) seriam fruto de "revisões" de depoimentos e pesquisas, daí eles se chamarem de "revisionistas". Em resumo, trata-se de uma mixórdia sem nenhuma sustentação histórica, tratada com o devido desprezo por todos os pesquisadores sérios.
De fato, a associação entre neo-nazismo e extrema-direita é automática e ambas as expressões são encaradas como sinônimos. Até ser processado e condenado em todas as instâncias jurídicas, S. E. Castan agregou em torno de si um pequeno grupo de jovens que agiram em Porto Alegre em pequenos putches anti-semitas nos anos 80 e 90. Merece plenamente o epíteto de nazista. Mas o dito "revisionismo" (que eu prefiro chamar de negacionismo), por mais fraudulento e mal intencionado, tem também a sua história. E vale a pena conhecê-la.
A primeira vez em que se publicou material que negava a existência de campos de extermínio erguidos pelos nazistas foi na França, na década de 1950. Não por acaso, a França foi o país que menos lutou contra a ocupação alemã durante a guerra. O Regime de Vichy foi, de fato, cúmplice e voluntário das barbaridades nazistas e a França fora também o berço do Affaire Dreyfus (1), e a terra de Gobineau (2) e Édouard Drumont (3).
"Franceses nazistas", pensará o leitor a esta altura. Errado. Curiosamente, não foram ex-colaboracionistas os primeiros negacionistas, mas justamente o contrário. Pierre Guilleume, militante do grupo trotskista SOB ("Socialismo ou Barbárie") e posteriormente fundador da dissidência Pouvoir Ouvrier, ao lado de Serge Thion, proprietário de uma pequena casa editora chamada La Vieille Taupe ("A Velha Toupeira"), foram os primeiros publicadores de livros anti-semitas baseados nestas teorias negacionistas. A estrela da "Velha Toupeira" era um membro da Resistência, Paul Raissinier, militante comunista e que usava sua condição como salvo-conduto.
Raissinier alegava que ao ser capturado pelos nazistas fora testemunha do tratamento dispensado aos seus prisioneiros. E que nunca testemunhara maus tratos a nenhum judeu enquanto esteve preso. Logo, todos os testemunhos que atestavam a matança nos campos de extermínio nazistas seriam falsos. O fato de que foram os soviéticos que primeiro chegaram aos campos e registraram a matança não afetava Raissinier, pois como trotskista ele poderia duvidar dos relatos "stalinistas" do Holocausto. Para os trotiskistas franceses, o sionismo era a consolidação dos planos explicitados em Os Protocolos dos Sábios de Sião, velha fraude produzida pela polícia secreta czarista e apresentada como uma compilação de “planos judaicos de dominação mundial”.
Em 1963, Trofim K. Kichko (posteriormente agraciado com um diploma pelo Partido Comunista da Ucrânia) publicou pela Academia de Ciências da Ucrânia "O Judaísmo sem Maquiagem", livro que parte de um trecho de "Os Protocolos dos Sábios de Sião" para afirmar que "o expansionismo e a crueldade israelense estão determinados no Talmude". Em 1969, Yuri Ivanov publicava "Cuidado! Sionismo!", um tosco panfleto onde o sionismo era apresentado como "uma ideologia de organizações conectadas para a prática política da burguesia judaica e fundida com as esferas monopolistas nos EUA". A partir do livro de Ivanov, as obras "sionológicas" foram consideradas leitura obrigatória na formação de quadros políticos e militares da União Soviética e nos países sob sua esfera de influência. Disseminados pelos formandos da Universidade dos Povos Patrice Lumumba, os livros anti-semitas soviéticos formaram gerações de militantes de esquerda que assimilaram e reproduziram a visão expressada pela terceira edição da "Grande Enciclopédia Soviética" sobre o sionismo:
"O Sionismo é um postulado reacionário, chauvinista, racista e anti-comunista. A Organização Sionista Internacional é detentora de grandes fundos financeiros monopolistas que influenciam a opinião pública ocidental capitalista e serve como frente avançada do colonialismo".
O rompimento entre os soviéticos e o movimento sionista ocorreu ainda antes da independência do Estado de Israel, em 1948. Josef Stálin desejava desencorajar o sionismo com a criação do Birobidjão, uma república soviética onde os judeus deveriam se instalar e permanecer, sempre tutelados sob a sombra da influência de Moscovo. Stálin também usou o sionismo e a recém fundação de Israel como pano de fundo de seu último grande expurgo, a "Conspiração dos Médicos".
Mesmo depois da morte de Stálin, a União Soviética continuou frontalmente anti-Israel, embora o movimento sionista tenha sido majoritariamente formado por militantes socialistas e por pessoas de sólida formação marxista. Após a Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando Israel venceu uma coalizão de oito países sob a direta influência política da União Soviética, a sionologia encontrou um território perfeito para se disseminar.
O encontro entre negacionistas, comunistas e terroristas que formou a sionologia não impediu que militantes neo-nazistas absorvessem o discurso sionológico. A verdade é que ao se comparar o discurso neo-nazista com o discurso de boa parcela da esquerda não se encontrarão muitas diferenças. O negacionismo e a sionologia fazem parte dos discursos tanto de esquerdistas ilustres, como José Saramago e os já citados Chomsky e Finkelstein, quanto de verdadeiros expoentes da extrema-direita, como Lyndon LaRouche, malgrado seu passado de militante trotskista.
No momento em que vemos o empenho de uma boa parcela da opinião pública mundial em atacar Israel enquanto este país se defende das covardes agressões de grupos terroristas, a emergência do discurso negacionista e sionologista demonstra o sucesso que seus criadores obtiveram e como o Terror se aproveita dele. O fato do negacionismo e da sionologia não serem necessariamente uma criação da extrema-direita não anula o fato de que esta também faz uso deles. Mas a ligação automática que mormente se faz é inexata. A negação do Holocausto é criação dos acadêmicos comunistas e é a esquerda a sua maior useira e vezeira nos dias de hoje.
(1) O Caso Dreyfus em 1894, foi a falsa acusação que o oficial francês de origem judaica Alfred Dreyfus sofreu de ser espião dos alemães. Baseado em documentos forjados por nacionalistas franceses, um tribunal militar condenou Dreyfus ao degredo na Ilha do Diabo. Graças a uma campanha movida pelo escritor Émile Zola, Dreyfus foi novamente julgado e desta vez inocentado. Foi cobrindo o Caso Dreyfus que o jornalista austríaco Theodor Hertzel criou o Sionismo.
(2) Joseph Arthur de Gobineau (1816 – 1882), escritor e diplomata francês e autor do Tratado sobre a desigualdade das raças humanas, publicado em 1853 e considerado o primeiro livro de teoria racista.
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